“Poema nenhum nunca
mais,/será um acontecimento;/escrevemos cada vez mais/para um mundo cada vez
menos,/para esse público dos ermos/composto apenas de nós mesmos,/uns joões
batistas a pregar/para as dobras de suas túnicas/seu deserto particular,/ou
cães latindo noite e dia,/dentro de uma casa vazia”
Alberto da Cunha Melo (1942-2007)
Foi em Porto alegre
que avisaram-me: havias partido.
Sem computador, na semana final de um tratamento – onde
também jogo uma partida de xadrez com a morte –, como no filme de Ingmar
Bergman (“O Sétimo Selo”) – fiquei
internalizando a notícia, meditando sobre a vida e a morte, a amizade, sobre as utopias que moveram nossas
gerações, e também sobre as aves de mau agouro que caíram sobre o país desde a
Colônia.
Eu era treze anos mais velho que tu. Tinhas 59. Eu:
72
Pensei em Albert
Camus, para quem o único problema filosófico relevante é o suicídio.
(Cito de memória – meus perdões por não ser rigorosamente
fiel).
E lembras do
“Candanguinho”, o fraternal colégio – dos começos da vida ao antigo quarto ano primário? Minha
filha Clarice nasceu em 1986, eu tinha já 41 anos.
O amigo foi pai antes.
E foi maravilhoso lá te encontrar com teus filhos
(sinceramente, não lembro se foi só um), que também estudavam lá, e conversávamos todos os dias. Sobre o país,
a “abertura”, a literatura, tudo. Eu pegando a “pequena” (Clarice) e tu os teus
(ou o teu).
Não sou adepto de “fakes news” e fico um pouco envergonhado
em não fornecer a informação precisa.
Não há “verdade
alternativa”. Só há verdade e mentira.
No país pelo qual
tanto lutamos, a hegemonia é da mentira. Parece um apito do diabo.
E a mentira parece imperar em nosso mundo desolador, árido e sombrio.
Não: nunca foste
árido, árido ou sombrio. Mesmo quieto, eras solar.
Talvez só no final. Só
após a bofetada da injustiça.
(Olho oo manuscrito que comecei a escrever em Porto Alegre,
com a minha horrível letra.)
Lembras – antes de eu ir para Brasília – quando eu e o
Adolfo Luiz Dias e tu, e fomos de carro a Brusque? Havia lá um pessoal que estava batalhando
intensamente pela cultura, com jornais alternativos e outros atalhos para poder
respirar na ditadura.
Outros lutavam na Ilha, como o meu amigo Celso Martins.
No dia em que fomos, havia em Brusque uma Feira do Livro – a
poeta Inês Mafra era uma das líderes.
Conversamos muito sobre convicções: raízes cristãs, marxismo
(minha opção anterior foi pela AP – Ação Popular). Lembro que muitos amigos aderiram ao velho e bom Partidão.
Talvez eu tenha sido uma exceção, mas me dei bem com todos,
como o querido Roberto Motta, o Jarbas
Benedet, o Aristeu Rosa, o Cirineu Martins Cardoso, o Luiz Fernando Gallotti, o Alécio Verzola e
outros. Perdoem os que não citei – fiz
questão de só lembrar dos mortos.
Já fiz tanto
obituário. Só queria dizer: “Adeus, meu amigo. Descansa em Paz!”
Farás muita falta ao Humanismo e à UFSC.
E creio que só posso
pedir que acreditem em mim, se previamente eu acredite naquilo que falo e
escrevo. É o que na Ação Popular chamávamos de autenticidade.
Então: não há luta
justa, se os valores e ações não forem justos.
Temo s tipos
messiânicos que se consideram salvadores
da Pátria.
Que têm o monopólio da virtude (acham que têm).
Não peloi é pelo espetáculo midiático, circense, operístico
– carregado de vaidade e narcisismo – que alcançaremos a Justiça e a
Democracia.
É claro que ABOMINO A
CORRUPÇÃO.
Não estou demonizando
operações que investigam e prendem antigos e novos malfeitores e bandidos da
Pátria.
Falo dos que não conseguem fazer nada sem a construção do
espetáculo midiático.
Nós todos passaremos.
Mas o Brasil ficará.
Porto Alegre e
Salvador, outubro de 2017
PARA O MEU AMIGO LUIZ CARLOS CANCELLIER DE OLIVO
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