Memória como instrumento de justiça e de misericórdia.
Não por acaso, na mitologia grega, Mnemosina, a memória, é a
mãe das Musas, ou seja, de todas as artes, do que dá forma e sentido à vida.
Sim, ela protege a vida do nada e do esquecimento.
A literatura não deixa de ser (também) um instrumento de
transfiguração de um momento (eternizar a memória).
Uma busca de perenizar o instante para convertê-lo em sempre.
O ato da lembrança é ao mesmo tempo caridade e justiça para
as vítimas do mal e do esquecimento.
Muitas vezes, indivíduos e povos desapareceram no silêncio e
na escuridão.
Muitos devem se lembrar das ditaduras que, apagando as fotografias
dos banidos querem, em verdade, apagar a sua memória.
A memória é resistência a um tipo de violência: àquela
infligida às vítimas do esquecimento.
A memória é o fundamento de toda identidade, individual e
coletiva.
Guardiã e testemunha, a memória é também garantia da
liberdade.
A linguagem é edificada para a construção dos textos que
querem eternizar nossa brevidade, a nossa finitude.
Como observa a filósofa e historiadora, Regina Schöpke,
“quanto mais inconsciente ou subliminar é a linguagem, mais fortemente ela age
sobre nós, mais ela nos domina e nos dirige.”
Os filósofos e filólogos sabem disso.
Estes últimos, veem nela não apenas uma ferramenta da razão
para dar conta do mundo, mas, sobretudo, uma segunda natureza.
“Algo que, de certa forma, produz o mundo, e não apenas o
representa”, como observa a autora citada.
Os gregos já enfrentavam a questão.
Nietzsche – que além de filósofo era também filólogo –
chamava esse universo da linguagem de “duplo afastamento do real”, de “segunda
metáfora”.
Porque aí os homens lidavam com conceitos e não apenas com o
mundo em si.
A linguagem pode ser instrumento de dominação, estimulando
um preconceito racial, como fizeram os nazistas, alimentando o fanatismo e o
preconceito, gerando um horror como raramente (ou nunca) se viu na História.
Todo sistema com ambições totalitárias, como detectou a
pensadora, tem necessidade de produzir um discurso, uma mitologia e palavras de
ordem.
É um exercício mental doloroso, mas assim a gente pode entender
como uma cultura que produziu tanta beleza com Goethe, Beethoven, Nietzsche,
Hegel, Wagner e outros, tenha mergulhado, com o nazismo, na mais profunda
irracionalidade, onde o Mal apareceu com toda a sua força, ou melhor, em toda a
sua plenitude.
Tento meditar sobre esses assuntos, entre outras razões,
porque a falta do estudo da filosofia para quem tem menos de 60 anos, criou um
tremendo vácuo cultural.
Fundou-se o universo utilitário, da posse imediata. Só vale
o que tem valor contábil.
Faço minha a proclamação de Michel Foucault: “Não se
apaixone pelo poder.”
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