Jacob Klintowitz
É notável o amor de Eric Ponty
pelo diálogo luminoso, pelo confronto radioso. Ele almeja a sensação ofuscante
da solidariedade e da fraternidade. Entre ele e o outro se estende, por sua
iniciativa, um percurso solar, uma estrada de permanente luz. Ele, a cada
momento, internamente, no fazer, no desejar o encontro com o outro, no procurar
a absoluta comunicação com o outro, estabelece uma fusão de temperatura tão
elevada que funde os metais. É no outro que ele se vê, É no outro que ele está.
Em Eric Ponty o poema é uma maneira de meditar e nesta introspecção ele vê a si
mesmo e conforma o mundo segundo um modelo clássico, pois este poeta, é preciso
que se diga logo, é o homem da palavra.
Eric Ponty escolheu as flores
do pintor Oscar Araripe para nelas ter uma nova vida. Não uma simples vivência,
mas uma integração da qual ele emergiu com poemas nascidos desta empatia. Ponty
está entusiasmado e nos entusiasma, pois tem em si a presença divina, melhor
descrição grega de entusiasmo.
Certamente a pintura é o
universo do silêncio. E este silêncio tão rico de significados, tão impregnado
do simbólico, nos provoca, entre tantas reações, a de tentar a equivalência da
emoção e da palavra. E este é o reino de Eric Ponty, o das palavras tão ricas
em significados. Também a palavra poética é feita de silêncios, de espaços, de
impregnações que sempre se renovam a cada vez que as lemos. Mas o silêncio da
pintura e o silêncio da palavra são diferentes entre si e o poeta nos apresenta
esta dessemelhança e, curiosamente, esta fraternidade tão íntima entre estes
silêncios. É exatamente isto o que nos impregna, a sensação de que o mundo é
construído de individualidades feitas de uma única matéria.
Talvez nos poemas de Ponty
exista certa música das esferas. É um encantamento que nos atinge. E talvez
toda a arte contenha a música das esferas. Melhor para nós que este eco cósmico
tenha ressonância e mantenha o mistério. O mistério do mistério da arte é que
ao equacioná-lo não o perdemos, pois continua misterioso. Eric Ponty mantém
aceso este athanor: vemos a transformação da matéria em matéria sutil e
percebemos que são aparências, somente aparências. E nos comove.
Ponty, que tem esta integração
como um de seus métodos de trabalho, escolheu a pintura de Oscar Araripe uma
das mais líricas da nossa arte. A pintura de Araripe tem a convicção de que a
virtude da arte não é a aparência e que as suas flores, por exemplo, são
memórias da emanação da perfeição. Não as flores, mas a flor primordial. E não
a flor primordial, mas a memória da flor primeira que não foi vista, mas
sentida. É a razão pela qual as flores das pinturas de Araripe são a memória da
emanação da flor primeva que, na verdade, jamais foi vista, mas que o poeta
pintor sabe como evocá-la.
É neste mundo de aparências,
memórias, evocações, que o poeta Eric Ponty, por sua vez, a cada momento,
mergulha nesta seara tão rica e rara, a de se integrar à obra criada de outro
artista para deste contato intimo nos apresentar uma renovada lírica, tão original
e envolvente. Em nós este diálogo e empatia entre formas de gêneros diferentes
provoca a alegria do encontro, pois estamos convidados a conviver com este
momento tão raro, o do nascimento da forma.
Eu, no início deste texto,
pensei em trazer o testemunho histórico de poetas que escreveram sobre artes
plásticas ou que fizeram poemas a partir do convívio intimo com a arte. Juntei
nomes ilustres para ilustrar o processo, como os de Charles Baudelaire e Manet,
Rainer Maria Rilke e Auguste Rodin, A combinação entre poetas e pintores, como
sabemos, é fantástica. Como é o caso de Guillaume Apollinaire e Pablo Picasso,
ou de Rainer Maria Rilke e Auguste Rodin. Ou de Geir Campos e Israel Pedrosa.
João Cabral de Mello e Joan Miró. Ou de
Carlos Drummond de Andrade e Vinicius de Moraes e Candido Portinari. Ou de
Carlos Drummond de Andrade e Israel Pedrosa. Ou de Walmir Ayala e Milton
Dacosta. Ou de Mirian de Carvalho e César Romero. Floriano Martins e Antonio
Bandeira, Eduardo Eloy e Lucy Barbosa. Ferreira Gullar e Amílcar de Castro e
Siron Franco. Haroldo Campos e Claudio Tozzi e Hermelindo Fiaminghi. Oswaldo de
Andrade e Tarsila do Amaral. Pensei em explicar a ação de cada um destes
poetas, mas desisti, pois é tão forte a parceria e integração entre as flores
líricas de Oscar Araripe e a poesia de Eric Ponty e o entendimento do mundo que
oferecem, que nada mais deveria ser explicado.
Devo destacar a coragem de Eric
Ponty ao escolher este processo de criação a partir do cotejo inicial com uma
obra de arte já criada. E acho uma justiça poética desvendar esta coragem do
poeta com os versos de outro poeta, a nossa mestra Cecília.
“Desenrolei de dentro do tempo a minha
canção:
não tenho inveja às cigarras: também vou morrer de cantar.”
Aceitação. Viagem. 1939.
Cecilia Meireles...
Minhas flores são flores que não são flores, em vasos que não são vasos, sobre toalhas que não são toalhas. Às vezes são visitadas por borboletas, que nem
são
borboletas.
Sou um pintor nascido da
literatura, da escritura. Já pintei de tudo – de peras e maçãs aos casarios, às marinhas, às montanhas de Minas, aos retratos
dos heróis
e dos amigos. Mas, quedo-me pelas flores. Com elas me liberto da História e das historinhas, dos blábláblás conceituais, das anedotas, essas
pragas da Pintura. Somente formas e cores, e o silêncio. Tudo que pintei foram cósmicas paisagens de flores magnetares.
Sou autodidata até aonde se pode ser. Orgulho-me de
ter introduzido uma nova tela para a Pintura, graças à intuição. Aprendi minhas pinceladas
fazendo e soltando pipa. Minha imaginação nasceu com o Carnaval do Rio de Janeiro, com os balões de São João dos subúrbios cariocas e com as
bolas-de-gude da minha infância, no bairro proletário do Encantado, onde menino via
universos coloridos em olhinhos de vidro, girando como um pião, e que eu podia jogar e quebrar,
com todo talento e vigor.
Amo a linha, a sabedoria
da mão, a exatidão do traço, o discernimento, a definição. Amo as coisas claras, e
separo as cores das tintas. Creio que a arte faz a vida e a vida as cores. Sem
vida não é cor; é tinta. Cores, tintas... Umas não existem, outras não valem nada.
Como a Arte faz a vida? – eis a nossa questão. Creio ser a Arte anterior à própria vida.
Eu pinto para que tudo
vire pintura. Creio que revolução em Pintura é pintar um novo jarro de flores,
nada mais do que isto.
A Liberdade é uma questão estética, não existe beleza na miséria. Toda flor é bela. Todo belo é livre. Eu pinto flores para viver
de cores e morrer alegre.
Oscar Araripe
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