“Ah, Deus disse a
Abraão “Mate um filho para mim”/O cara diz
“Meu, você deve estar de sacanagem”/Deus diz “Não”. O cara diz “Como é
que é?”/Deus diz “Pode fazer o que quiser, meu chapa, mas/ Na próxima vez que
você me vir chegando, melhor correr”/Então o cara diz “Onde é que você quer
essa morte?”/Deus diz “Lá na Estrada 61”
(Bob Dylan –-
“Estrada 61 Revisitada” – ‘Highway 61
Revisited”)
Tomando como base, letristas/compositores nascidos a partir
de 1940 (como referência simbólica) creio que Bob Dylan é o que alcança as
maiores alturas (junto com Lou Reed
–1942-2013 –, também de grande densidade e profundidade).
(Quando aparece “na
minha frente” alguma dupla de sertanejos ditos universitários, chego a sentir
um calafrio de horror, pela pobreza indescritível das letras, a idiotia e a
mediocridade que representam. com suas botas texanas, sejam homens ou
mulheres.)
Isso num país que deu Cartola (1908-1980), Pixinguinha
(1897-1973), Lupicinio Rodrigues (1914-1974), Geraldo Vandré (1935, Sidney
Muller (1945-1980), Belchior (1946-2017).
Hoje pouco lembrado, Sidney Muller é o criador da belíssima
canção “A Estrada e o Violeiro”, e de “Pois É, Pra quê?”.
Não falo, é claro, de Tonico (1917-1994) e Tinoco
(1920-2012), de Renato Teixeira (1945), de Almir Sater (1956), de Sérgio Reis
(1940) e outros, que engrandeceram o nosso cancioneiro dito sertanejo. Mais do
que isso: universal.
Sim: Dylan também é escritor.
Publicou livros de poesia, letras de músicas e um de ficção
(“Tarântula”), além de suas memórias em “Crônicas Volume 1” (2004).
Dylan tornou-se figura
célebre da música popular americana e da cultura musical com canções
como Blowin’ in the Wind, The Times They are A- Chagin, A Hard Rain’s A-Gonna
Fall, All Along the Watchtower, Tambourine Man e Like a Rolling Stone,
compostas nos anos 60, “com conexões com os movimentos de protesto contra
Guerra do Vietnam”, como lembrou Hagamenon Brito.
A força de suas
letras, foi percebida “muito acima dos seus limites tradicionais”
(escritas quando ele tinha pouco mais de
20 anos) – falo nas contidas no livro.
Foi acompanhando as mudanças e tormentos deste mundo, desde
jovem até agora – aos 76 anos .
Socorro-me de Caetano
W. Galindo, que traduziu o livro de 640 páginas “Letras (1961-1974”) ––o
primeiro de dois volumes : “A concessão do prêmio Nobel de Literatura a Bob
Dylan certamente contribuirá bastante para as velhas discussões quanto ao
estatuto literário da canção. Ou, no que mais nos interessa aqui, quanto ao
estatuto literário da letra da canção, separada de melodia, harmonia, ritmo,
produção, performance.” (...)
Cantor e letrista
rebelde ou de “protesto”, na maturidade buscando captar (descobrir?) a essência
do SER, Bob Dylan sempre foi fiel a si mesmo, também cantando as letras de
outros autores e músicos.
A gente sente um
caráter “oral”, escutando Dylan: “Tudo (...) imerso no que eu chamaria de um
oralidade sofisticada, que faz com que, mais que cantadas, suas letras pareçam,
faladas, mesmo em livro” (Caetano Galindo).
E acrescenta o tradutor: “Dylan, ao longo das duas décadas
aqui retratadas (ele fala sobre o volume citado), não escreve canções com vozes
diferentes, com textos que vão do folk à retórica neopentecostal; ele mistura esses registros no mesmo texto.
Do inglês de rua à elevação bíblica, dos poetas Beat a Dante Alighieri, da
prosa ao verso mais evocativo, das cadências mais constante ao discurso
espraiado”. (...)
Mesmo que pareça
muito genérico (ou puro lugar-comum) o que vou escrever, creio que em toda a
sua vida, Bob Dylan refletiu intensamente sobre os conflitos de nossa geração,
a impotência em relação ao espírito bélico, às guerras e outras desgraças da
modernidade (ou a tragédia de todos os tempos).
E – ouso dizer – no
sentido metafísico –, que ele meditou
com incrível profundidade (que a “simplicidade” de algumas letras engana),
sobre a nossa humana condição (finita).
Com sua voz roufenha e, segundo alguns, de “dicção difícil”,
ele foi atravessando os tempos.
Como na epígrafe do meu texto, ele discute a relação do homem com o Divino e a recusa do de nós todos a certos desígnios: como
pode Deus querer que alguém entregue o seu filho à morte?
Precisaria aprofundar muito mais. Mas ficaria cansativo.
Só proclamo: Longa vida, Bob Dylan!
Saudades, Lou Reed!
Estrela Elis Regina: “és para sempre”!*
*Também foi lançado o primeiro disco triplo da carreira de
Bob Dylan: “Triplicate” (que ainda não
pude adquirir).
Alguém comentou: conhecíamos o Bob Dylan “o inovador”, “o
cantor de protesto”. Recentemente, segundo Agamenon Brito, “passamos a
conhecer, também, Dylan,’o cronner’ admirador de Sinatra”. (...)
(Salvador, maio e junho de 2017)
enviado pelo autor
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