Escritor atento à vida, às
pessoas que o cercam, Carlos Gama é conhecido de todos nós. Podemos encontrá-lo
em andanças pela cidade, participando de eventos culturais ou num bate-papo à hora do cafezinho. Tem livros
publicados anteriormente e também
pensamentos e crônicas na Internet, mas não deixa o intelectual
sobrepor-se ao cidadão comum, encantando a todos por sua simplicidade. Escritor
reflexivo sobre o que vê, vivencia ou lê nos jornais, emite opiniões "sem
maquiagem".
"Do outro lado da cena" confirma
seu estilo: escrever para sensibilizar o leitor sobre a história do homem.
Desse homem próximo e do desdobramento de suas ações na vida pessoal e
coletiva. Homem cidadão, que não se distancia da vida social e política de sua
comunidade. Gama vai além neste primeiro romance e traz o "Raul
Soares" de volta às águas desta Santos, fazendo-nos embarcar numa viagem
ficcional com personagens encarnados e desencarnados. Sim, o autor envereda
também por questões religiosas (filosóficas, talvez seja a palavra mais
adequada).
Escritor perspicaz, sabe que o
início da história é vital para "prender" o leitor até o fim. Assim,
desde o primeiro capítulo, nos instiga com o personagem "anfíbio"
José de Jesus, talvez uma referência ao Nazareno... ao Deus "feito
filho" para sentir na própria carne as dores do homem. O espiritual
desponta na vida de José, Zé Menino que se faz moço... ingressa na marinharia,
é aceito para trabalhar no navio "Madeira" rebatizado de "Raul
Soares". Vítima de um acidente, Zé assiste da amurada do navio a descida
de seu corpo físico ao mar. E desencarnado, vai ser o narrador, trazendo
esclarecimentos sobre a vida fora da matéria em meio a fatos reais, como a
queda da Bolsa de Nova Iorque em 1929 e os transtornos consequentes à
humanidade.
Em fase de desenvolvimento
espiritual e desencarnado, sendo marinheiro é um cidadão do mundo e, pode nos
levar até a II Guerra Mundial para entender que a razão do conflito está na
loucura do homem sedento de poder somada às questões políticas e raciais. Gama
vale-se dessa possibilidade do narra-dor transitar em diferentes planos para
conseguir o encaixe e a alternância das ações, que muitas vezes se revestem da
beleza da linguagem poética (por exemplo, quando relaciona o significado da
embarcação para o marujo com o do cavalo para o peão). Ainda nos surpreende
quando fala que o desconhecido é, talvez, mais aterrador para o desencarnado...
num naufrágio, sem corpo material,
agarrar-se como?
Percorremos com ansiedade temas
universais – guerra, morte, desolação e desespero – sem perder o foco da
narrativa: a desumanização do homem e o distanciamento da paz. Atravessamos a
I e a II Guerra, chegamos à Guerra Fria... o "Raul Soares" continua
em sua rota a caminho do Novo Mundo. Na década de 50, o navio perde prestígio e
competência. É transformado em navegação de cabotagem. Nos anos 60, Jânio
Quadros e sua renúncia... até o contragolpe de 1964. O "Raul Soares"
é adaptado para ser navio prisão. E desse fato o romance deslancha com força,
especialmente quando a embarcação aporta em Santos, trazendo a história dos
dias de Ditadura e das atrocidades físicas e morais, especialmente a privação da liberdade do homem.
Gama não deixa escapar a
solidariedade entre os encarnados e desencarnados na luta pelo bem maior: a
paz, o respeito e o direito de viver livremente num mundo onde todos possam
estar com dignidade.
Se me deixar levar pela emoção,
este prefácio contará todo o romance e o leitor será privado de viajar por
conta própria nesta história, que prova que podemos fazer ficção valendo-nos da
realidade. Podemos escrever tirando a máscara da verdade. É isso que Carlos
Gama faz com excelência. - prefácio de Regina Alonso - escritora
adquira com o autor delphim@ibl.com.br
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