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A gaita do Noel por Marina Gentile

texto enviado pela autora
Era uma vez um rapaz que desejava ir até Manaus, de bicicleta, partindo de São
Paulo.  A família ficou assustada com o sonho do jovem, mas não poderia impedir que ele concretizasse seu sonho.  E assim aconteceu.  Certo dia ele juntou algumas coisas na mochila,  preparou sua bicicleta, juntou uns trocados e partiu.
De Santo Amaro ele atingiu a marginal Tietê, depois a Via Anhanguera.   Era uma viagem solitária, muitas pedaladas,  vislumbrando a paisagem,  o frescor do vento,  vivendo o sonho de aventura.  Dormiu em lugares estranhos, mas  para ele era plenamente normal.    Qualquer canto era um bom local para parar, quando necessitava descansar.    Tudo ia bem até que sua bicicleta apresentou um problema sério. Estava um pouco além de Campinas-SP,  não tinha dinheiro para substituir uma peça importante,  por isto preferiu vendê-la e seguir sua trajetória de carona.


O primeiro caminhoneiro que o ajudou estava seguindo para  o sul de Minas Gerais. Ele não planejara ir até aquela cidade,  tornou-se uma aventura sem escolha de rota.  Além da gentil carona,  ganhou uma deliciosa refeição, feita no próprio caminhão.   Também ganhou café e pão com margarina. O motorista ficara feliz  com o acompanhante, pois achava triste viajar sozinho.   Dissera ao Noel  que gostara dele, poderia ser seu filho,  havia semelhança entre eles.
Chegando à cidade Noel agradeceu a carona e seguiu a aventura.   Alterara seus planos, pois agora estava sem bicicleta, com pouco dinheiro. Já que não podia ir a Manaus,  conheceria a capital do Brasil. Da cidade onde estava conseguiu outra carona até uma cidade onde havia linha de trem. Chegando lá soube que o trem para Montes Claros sairia somente pela manhã. 
Na estação havia outros mochileiros como ele e um rapaz que nem mochila tinha, o qual foi apelidado pelo grupo de “Sem Nome”. O pessoal achou estranho o rapaz não querer identificar-se,  poderia ter mentido, arranjado um nome fictício, mas ele nem se esforçou.  Como havia  coisa mais séria para pensar, não  se importaram com isto.  
A temperatura estava diminuindo,  não seria fácil passar a noite ali.   Então eles se cotizaram,  foram até um boteco próximo e compraram uma bebida para esquentar.  Formou-se um grupo animado.  O “Sem Nome” não ajudou a pagar, mas também não bebeu.   Noel apenas experimentou,  os demais consumiram toda a bebida.  Cada um contava algo,  trocavam experiências, falavam de suas vidas, projetos,  riram bastante até o sono chegar.  
O pessoal que bebeu adormeceu rapidamente,  mas Noel ficou acordado por um bom tempo,  até que o cansaço o dominou.   Ainda estava escuro,  muito frio,  Noel acordou antes dos demais.    Foi então que percebeu a falta de um deles, o “Sem Nome”.   Achou estranho.   Quando se virou para retirar algo de sua mochila notou que ela não estava ali.   Imediatamente percebeu o que acontecera.   O “Sem Nome”  deixou todos beberem à vontade,  para que ao adormecerem fosse mais fácil praticar o furto.  A vítima tinha sido ele, pois os outros dormiram fazendo suas mochilas de travesseiro.  A mochila de Noel  ficara solta!  Então Noel gritou:
-  Este safado não podia me roubar assim.    Agora ele verá o que é alguém com raiva. 
Noel estava apenas com a roupa do corpo,  sem documentos, sem dinheiro, sem nada.  Estava descontrolado, nervoso,   acordou todo mundo.  O pessoal ficou impressionado,  cada um falando uma coisa.  Então o Noel percebeu que um trem de carga estava se aproximando.    Ele foi ágil,  perguntou se alguém tinha uma faca, um canivete, qualquer coisa.   Um deles deu uma faca para o Noel e ele correu em direção ao trem de carga,  pulou em um dos vagões, seguindo rumo a Montes Claros.   Ninguém do grupo acreditava que o furtado pudesse reaver sua mochila,  ninguém o acompanhou. 
Noel tinha plena certeza que encontraria o safado,   calculara que  ele estaria  andando pela estrada que margeava a linha de trem.   Então depois de alguns minutos em cima do vagão,   achou que seria o momento de  pular  e  caminhar sentido contrário,   na tentativa de encontrar o safado .
Pulou, se arranhou,  mas a raiva que estava era a sua energia propulsora.   Ficou alguns segundos deitado,  em seguida levantou-se,  dando início a sua caminhada.   A madrugada  estava fria,  os dormentes molhados,  a neblina dificultava a visão.  Ainda assim,  estava certo que algo aconteceria a seu favor...
De repente Noel escutou um som de gaita.  Era a sua gaita, que estava na mochila.   Percebera que estava  perto do safado.   Então saiu da linha de trem e foi para a estradinha de chão, ao lado.  Ficou a espreita na curva enquanto escutava o som da gaita se aproximando, o som indicando que estava bem próximo.   Não demorou muito e avistou o “Sem Nome”,  caminhando tranquilamente,  tocando a gaita furtada.  Assim que o fulano ficou bem perto,  Noel deu um salto em cima dele,  apontando a faca e o xingando.   O “Sem Nome” deu um salto, um gritão,  jogou a mochila e a gaita no chão e saiu correndo,  como um leopardo.  Noel nunca usara uma faca a não ser  nas condições normais,  mas só de apontá-la ao sujeito foi o suficiente para assustá-lo.  Ninguém saiu ferido,  felizmente.
Noel então caminhou pela estrada até chegar à próxima cidade.  Na cidadezinha felizmente conseguiu outra carona.  E finalmente chegou a Montes Claros,  na Estação de Trem,  onde parte dos mochileiros  ainda estava,  aguardando outro trem. Todos ficaram felizes,  festejaram  a chegada do Noel,   o trataram como se fosse o maior valente do pedaço.
Esta foi uma das histórias do Noel,  meu irmão.   Toda vez que repetia a história conseguíamos rir,  sem parar, pelo jeito engraçado que narrava.
Saudades meu irmão.  Sinto saudades de você, de suas histórias.  Infelizmente ele foi atingido fatalmente ao praticar o esporte que amava.  Nada aconteceu com a bike,  só com ele.

Marina Moreno Leite Gentile

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