História da Música — Parte I: Introdução
Ao
ouvirmos, no âmbito do recesso doméstico ou de uma confortável sala de
concerto, uma ópera ou uma peça musical executada ao piano, um quarteto de
cordas, uma obra sinfônica, ou comentários a seu respeito, de imediato,
tal experimento nos remete às ideias que a precipitação de muitos formula, de
certa forma errônea, preconceituosa, em face da música erudita; faz
recordar-nos: àqueles menos afeiçoados ao gênero estranha a circunstância de
tantos outros, ainda que, a depender da situação geográfica, se mostrem em
parco número, admirem-na, deleitem-se ao fluxo de torrentes melódicas e de
sonoridades quase celestiais, produzidos pelo suave desenho aéreo que os arcos
dos violinos, das violas, dos violoncelos produzem durante as passagens mais
sublimes, conduzidos por o regente ao pódio. Há, por certo, de respeitar a
opinião dos ouvidos menos sensíveis; entretanto, cumpre relevar o interesse do
fato. Uma temeridade? Sabemos recuar o homem diante do desconhecido;
conformar-se, e não se atrever a dirimir a curiosidade, infundadamente não se
deixar atrair, é, pois, lastimável — decerto, é negar-se a se permitir
ingressar em um universo de cujo âmago, após adentrá-lo, poucos regressam...
Em
sua obra O Crepúsculo dos Ídolos,
Nietzsche escreveu: “Sem música a vida
seria um erro.”
A
música está presente em toda parte; independentemente de gêneros, é um pulsar,
um ente maciço e primordial para o inconsciente coletivo desde as eras mais
primevas; daí sua existência, como necessidade mantenedora da vida e de sua
fisiologia, presente em praticamente todos agrupamentos humanos, sob o signo de
identidade cultural, padrões comportamentais rurais e urbanos e
autodeterminação dos povos.
Para
a antropologia, a música, como resultado da combinação de sons e de pausas,
sempre cumpriu papel comunicante, de expressão do pensamento e de aproximação;
apesar da carência de informes e testemunhos mais concretos, acredita-se
remonte a muito tempo depois dos primeiros registros de arte rupestre, datada
por volta de 40.000 a.C., nas regiões da Europa Sul-ocidental,
Centro-setentrional, Oriental e Bacia do Mediterrâneo, com o aparecimento do
homem de Neanderthal, chamado homem das cavernas. Quer sob a imitação dos
ruídos produzidos na natureza, quer com o intuito de adorá-la mediante danças
ritualísticas para venerar o sol, a lua, o firmamento, as águas, a terra, o
fogo, o vento, e deles obter favores e proteção, o homem primitivo,
supostamente contemporâneo ao Paleolítico, inobstante não dominar a palavra
articulada, encontrou, na produção de sons por meio dos elementos que o agreste
ambiente natural lhe oferecia, maneiras de manifestar o pensamento resultante da
observação do mundo exterior, sua consciência mágica quanto ao que o cercava e
estabelecer vínculos entre seus semelhantes, expandindo-os para tribos
vizinhas.
Todo
gênero musical se classifica, antes, muito mais por o público que atinge e o
aplaude do que por a simples e fria sistematização, para fins didáticos, que
lhe atribuem musicólogos, historiadores, críticos, egressos de fileiras
acadêmicas. Inexiste gênero melhor que outro; há, sim, música de boa ou de
péssima qualidade. No acervo musical jazzístico, haverá sempre determinado
número que parecerá dissonante para um, porém ousado para outro. Já a música
considerada erudita, por exemplo, não
foge a isso: Em meio às obras de Chopin, um excepcional melodista, certamente,
há peças de pouco agrado, inclusive, a pianistas que, contudo, dominam o
repertório do compositor polonês.
A fim
de investigarmos atentamente os conceitos, com intuito de dissolver a confusão
resultante das acepções que assumiram a música erudita e a popular no curso de
séculos e se banalizaram no linguajar correntio — a mais vulgar delas,
sobretudo, a que considera, de modo geral, clássica a música produzida para
determinado segmento de cultos e afetados indivíduos, com objetivo de
atender-lhes o esnobe gosto, e a cujo entendimento requer presumivelmente certa
instrução, formação musical e ouvidos exigentes —, propomos tecer
alguns critérios a esse propósito.
A
princípio, emprega-se a expressão música
erudita com dois diferentes significados: um informal; outro, formal. Sob o
primeiro sentido, em linhas gerais, o erudito corresponde ao clássico, ou o que promove aquilo que há
de eterno no espírito humano; nesse aspecto, cite-se a arte de Homero, os
trágicos gregos, Virgílio, Dante, Milton, Camões. Em termos musicais, é a
resultante de erudição, refinamento, elaboração; aquela música escrita,
complexa, sistemática, composta à luz do senso organizacional dependente de
determinadas regras fixas, sem as quais se aproxima da desordem auditiva
inerente ao ruidoso, ao desagradável — àquilo que, durante séculos, reis,
rainhas, suas cortes, bem como o clero e seus estetas acreditavam não
corresponder ao que podia considerar-se harmonioso e equilibrado, portanto, ora
como notório fato social de poder, indigno de exibir-se nos jardins e átrios e
dançar-se nos salões de seus castelos e palácios, servir de cenário para seus
jantares ou adorar convenientemente a providência divina e louvar os santos.
Numa palavra, a música composta para o regalo da classe culta — esta, amiúde,
muito mais preocupada em parecer ilustrada, como discurso social de ostentação
de elegância e requinte, do que se render ao real encanto que belas e
harmoniosas melodias podem exprimir.
Assim,
tudo quanto, sob os signos artísticos, não seguisse o padrão ditado por o
Estado e a Igreja, atentava contra estes e definia-se como de má qualidade; daí
o surgimento da música popular, alijada dos espaços destinados à realeza e
assinalada pelo fosso social discriminatório instaurado entre os regimes
feudais nobiliárquicos, por meio de sua negação de valor ao que lhe parecia
estranho e rude, e as tradições orais nascidas no seio das camadas
populacionais pobres, submissas, que, entre outras privações, não sabiam
escrever e, portanto, levar ao papel o que cantavam e tocavam, de geração a
geração.
Tal
distinção, talvez, por razões históricas, se perpetuaria, tanto no inconsciente
coletivo, por considerar o homem médio erudita a música que dele exigisse mais
do que suportasse sua compreensão intelectiva, quanto como resposta desses
mesmos grupos sociais, menos favorecidos, às práticas preconceituosas
sedimentadas por as classes dominantes, o que lhes serviu de fomento para
manterem vivas suas culturas, seus cancioneiros, bem como, daí, a coesão, a
identidade e a individualidade que deles tornaram, graças também à
autodeterminação, posteriormente, as nações que o mundo atual viria a conhecer,
com caracteres folclóricos bem definidos.
Por
assim dizer, com o fluir dos anos, sobretudo na segunda metade do século XX,
tomando parte indistinta do gosto dos ouvintes de todo o planeta, a música
popular se viu crescer como nunca antes, transpondo fronteiras nacionais e,
senão colocando-se acima, ao menos, lado a lado, em relação de importância, com
aquela, reservada à nobreza de outrora. O advento da valsa, por exemplo, já no
começo do século anterior, favoreceu a divulgação da música orquestral,
convidando praticamente toda a sociedade vienense a dançar.
Santos, 22/07/2012
IVAN PEREIRA SANTOS JUNIOR
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